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Fazer um roteiro de jogo é igual de cinema?

Uma dúvida que paira no ar é: estruturar o roteiro de um jogo é igual estruturar o roteiro de um filme ou série? 

Temos três respostas válidas para isso: “sim”, “não” e “depende”. 

O termo mais assertivo para se referir a um roteiro de jogo é “narrativa”. Assim, não fica tão preso a algo que deve ser seguido à risca, dando um destaque maior para a resposta “depende”, dita anteriormente.

Além do óbvio ululante

A afirmação que é aceita de forma unânime é que a diferença entre narrativa para cinema e jogos é a interatividade. Em grande parte isso está certo, mas há várias camadas até chegar nessa interatividade. Inclusive, há filmes interativos, como é o caso de “Black Mirror: Bandersnatch”, de David Slade (disponível na Netflix). E como esquecer das histórias do memorável “Você Decide”? Eles não são jogos, mas são interativos. 

Então, qual é a cereja do bolo dessa interação? 

Decifrando o estilo narrativo

A forma de conduzir o seu jogo vai depender muito do estilo narrativo proposto. Irei pincelar alguns para que se tornem parte do seu glossário:

  • Narrativa emergente – são aqueles jogos onde o jogador tem opções para seguir a história da maneira que achar melhor, interferindo em desdobramentos e comportamento dos demais personagens, além de resultar em um final baseado nesse conjunto ou escolher entre dois ou mais finais, independente do que foi escolhido no decorrer da história. Um bom exemplo são os jogos da franquia “Life Is Strange”. O primeiro jogo, mesmo sendo baseado nas escolhas da Max, nos dá a opção de dois finais diferentes bem específicos. Ou seja, as escolhas dela servem para eventos no decorrer do jogo, como ser empática com uma colega e assim, no futuro, conseguir entrar em uma festa sem dificuldades; já no segundo jogo da franquia, a combinação algorítmica das nossas escolhas impactam no final a ser revelado. Há sim, opções prontas de finais, mas nós não as escolhemos diretamente. É como se fosse um teste do Buzzfeed, seguindo essa lógica. 
  • Narrativa forçada – aqui temos uma narrativa linear, mesmo que possamos explorar o mundo da maneira que melhor nos convir. Um exemplo é “The Last Of Us”, onde a história já está definida em seu começo, meio e fim, mas na gameplay podemos explorar o mundo ao redor entrando em lojas, casas, veículos e etc para procurar colecionáveis e itens para fabricação de armas e manutenção de saúde do personagem. 
  • Narrative evocada – “Guardiões da Galáxia”, “Marvel ‘s Spider Man”, “Star Wars”, “Hogwarts Legacy”… isso tudo é familiar para você, certo? Narrativas evocadas são exatamente isso: o mundo já foi criado anteriormente e no jogo é abordado uma narrativa específica para eventos e/ou personagens. Um ótimo exemplo é o que fizeram em “Lies of P”, transformando todo o mundo do Pinóquio em um pós-apocalíptico com aríetes assassinos, onde ele precisa salvar o Gepetto. 
  • Narrativa embutida – elas são, literalmente, embutidas na história principal, com a diferença que, o jogador vivendo-as ou não, não irá interferir no andamento natural da história. Um bom exemplo são as missões de contrato em “The Witcher”, onde você consegue dinheiro para a compra e upgrade de equipamentos, mas nunca é obrigado a realizá-las para fechar o jogo. 

Sabendo qual o estilo narrativo a ser adotado, o roteiro do jogo tomará formas diferentes para interação. O jogador irá realizar combates de corpo a corpo com inimigos que aparecem no mapa? Há algum “chefão” para representar a transição de níveis e etapas da história, como em “Cuphead”? O jogo será na maior parte um filme interativo, como em “What Remains of Edith Finch?”, onde não há combates diretos, apenas direcionamentos do personagem para um caminho pré-determinado para a história seguir? 

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Cada boss influencia no objetivo final, mesmo sem diálogos. Jogo: Cuphead

Nesse quesito, é importante que a interação seja interessante e faça sentido para o jogador, mesmo que seja em eventos aleatórios como em “Red Dead Redemption II”, onde cada situação acaba sendo uma pecinha de encaixe para a história principal ou as side quests disponíveis. 

Programação de eventos

Os filmes e séries que vemos normalmente, são narrativas lineares, onde a única interação de quem assiste é rir, chorar ou comentar sobre personagens. Independente se naquele momento estamos sentados mais para frente ou para trás da tela, os eventos continuarão os mesmos. 

Não é o caso da programação feita para que uma missão se inicie ou abra uma “cutscene”, que irá desenrolar a história a partir dali. Aliás, a forma de escrever uma cutscene sim, se assemelha a um diálogo escrito para o cinema, pois na maioria das vezes não há interação direta do jogador ali. 

Um caso interessante de cutscene, onde o jogador interage apenas para seguir os diálogos para frente e escolher algumas perguntas feitas para o interlocutor, é em “Celeste”. Ele não é feito de forma cinematográfica como em The Witcher, por exemplo, mas entendemos que ali não precisamos acionar uma gameplay para seguir adiante. 

Voltando para a programação de eventos: basicamente na programação, toda ação deve ocorrer a partir de uma condição. Para se iniciar uma interação do usuário, é sempre necessário chegar a uma certa distância dos personagens envolvidos, abrir uma porta, estacionar em algum ponto marcado, como em GTA e etc. Se o jogador não fizer nenhuma dessas ações, a história não irá para frente, independente da quantidade de dias e horas jogados. 

Interação e atratividade

Independente da forma que é feita a narrativa, o roteiro do jogo deve trazer interações atrativas para o jogador. O que vai fazê-lo permanecer no seu jogo é a possibilidade de evolução em pontos do personagem, habilidades, descobertas do mundo, geração de debates e criação de histórias com a fanbase, enfim, tudo o que der a “ilusão” que o usuário é quem tem pleno controle ali, fazendo com que a imersão e engajamento sejam cada vez maiores. 

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Um exemplo de missão que vira um minigame e auxilia na evolução de habilidades do personagem (no caso, o Michael). Nesse caso, a narrativa se estendeu para uma embutida.

São tantas emoções

Se a grande diferença entre escrever para games e escrever para o cinema é a interatividade, temos uma semelhança indiscutível: as curvas de emoção da narrativa. 

Não se faz um bom jogo sem um contexto para aventura, um conflito interno e/ou externo do protagonista, desenvolvimento e amadurecimento desse personagem, uma batalha ou descoberta épica e o fechamento da história, independente de termos diálogos ou mostrarmos a história de forma mais lúdica, como acontece em Super Mario ou Donkey Kong. 

Uma das fórmulas narrativas mais populares é a jornada do herói. Falei sobre ela aqui

Softwares de narrativa 

Nos jogos, precisamos aliar o roteiro do jogo com a programação feita, como já dito anteriormente. 

Há softwares que possibilitam essa integração com as ferramentas de programação, facilitando o trabalho do narrative designer e do desenvolvedor. 

Alguns deles são: Twine, Inky, Quest, entre outros.

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